Ônibus ‘corujão’ agrada usuários
Ônibus ‘corujão’ agrada, mas precisa ser ampliado
O desespero ao olhar o ponteiro do relógio passando da meia-noite não existe mais para garçons, atendentes de pizzaria, balconistas, seguranças e, é claro, os baladeiros. Ao menos não por ter de passar a madrugada na rua. Os notívagos cuja jornada, de trabalho ou de lazer, avança as primeiras horas do dia são os principais usuários das 151 linhas noturnas que rodam a capital paulista entre 0h e 4h.
Segundo a SPTrans, empresa responsável por gerenciar o transporte municipal, mais de 15 milhões de pessoas foram transportadas desde fevereiro de 2015, quando o serviço foi iniciado, até julho deste ano, nas linhas do Noturno. As madrugadas de sábado e domingo são as de maior demandas.
Por três dias seguidos, o DIÁRIO percorreu desde o trajeto inicial até o final as três linhas que mais levaram usuários nestes 18 meses.
É fácil ouvir histórias de pessoas que aguardavam na rua os primeiros ônibus começarem a rodar, somente às 4h40, para chegar em casa.
O ajudante de cozinha Rafael da Silva, de 22 anos, é um deles. Passageiro da linha Terminal Parque Dom Pedro 2/Terminal Santo Amaro, a mais “cheia” segundo as estatísticas da SPTrans, ele comemora o simples fato de poder dormir na própria cama todos os dias.
“Nunca sei o horário que vou sair, mas sempre vai ser mais de 1h. Por isso, o Corujão ajudou e me ajuda bastante”, contou.
O frequente perrengue do ajudante de cozinha era o mesmo vivido pela atendente Suzana da Silva, 26, frequentadora diária da linha Terminal Santo Amaro/Terminal Jardim Ângela. “Não fico olhando para o relógio porque tenho certeza que esse ônibus vai passar.”
Pior do que dormir no trabalho, é ficar literalmente na rua. Antes de o Noturno existir, o gari Anderson Fonseca, 40, tinha de dar sorte para chegar no ponto antes que os poucos ônibus que rodavam na madrugada passassem. Caso contrário, a espera para chegar no Campo Limpo, Zona Sul, onde mora, poderia chegar a duas horas.
“Quem trabalha na madrugada não sofre mais com esse problema de transporte”, disse Fonseca durante o trajeto entre o Terminal Pinheiros e o Terminal Campo Limpo.
Para os que estão na rua para se divertir, o Corujão, mesmo em tempos de briga acirrada entre taxistas e Uber, é sinônimo de economia. “Antes a gente tinha três opções: voltar a tempo de pegar o ônibus, na maioria das vezes cedo, virar a noite ou pagar um táxi. Agora dá para ir (para a balada) e ficar tranquila”, comemorou a atendente Marcela Silva, 18.
Os noturnos são divididos em dois: as linhas locais, que ligam bairros aos terminais e atendem os principais pontos de interesse durante a madrugada com intervalo de 30 minutos. Já as linhas estruturais atendem dois terminais que interligam regiões e vias importantes com intervalo de 15 minutos.
A expectativa agora é para a ampliação do serviço para dentro dos bairro. Isso diminuiu a saga de grande parte dos passageiros entrevistados pela reportagem, que precisa pegar mais de um ônibus. “Eles precisam estudar a demanda para outros bairros. Não é todo mundo que mora perto de terminal”, reclamou o vendedor José Cardoso, 40. Ele precisa pegar dois coletivos até sua casa ou se arrisca nas ruas escuras andando depois que desce no terminal Grajaú.
Linhas são bem movimentadas / Nico Nemer/DiárioSP
Entrevista
Horácio Figueira_ especialista
‘Agora é hora de ouvir os usuários’
DIÁRIO_ Qual a importância de um serviço como esse?
Horário Figueira_ Além da pontualidade que as pessoas podem contar, as linhas noturnas dão acesso para toda população. Não é só o trabalhador que ganha com isso, mas quem precisa ir ao velório de madrugada, voltar do médico, por exemplo. É uma alternativa para muitas situações.
Esse é o futuro, já que o Metrô não funciona 24h?
Sim, apesar de acreditar que existe a possibilidade de o Metrô trabalhar 24 horas com apenas uma via. O intervalo poderia ser de 15 em 15 minutos, mas enquanto eles precisam fazer a manutenção, os ônibus da madrugada têm atendido.
O que precisa ser melhorado no Corujão?
É um serviço inédito no país, por isso precisa de melhorias. A criação de novas linhas e mais ligações nos bairros são exemplos disso. Agora é a hora de as empresas de transporte e a Prefeitura ouvirem os passageiros.
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Depoimento
Ana Paula Bimbati, repórter do DIÁRIO
‘A cidade não dorme’
Foi uma surpresa entrar nos ônibus de madrugada e ver todos os assentos ocupados. A rapidez das viagens e o pouco tempo de espera também me surpreenderam. Do Terminal Parque Dom Pedro II, no Centro, até Santo Amaro, na Zona Sul, foram 30 minutos de viagem, tempo impensável durante o dia. Quando perguntei ao motorista se a tranquilidade da madrugada era diária, ele só respondeu: “Por isso gosto desse horário”. Os três terminais visitados estavam iluminados e com um bom número de funcionários para atender os passageiros. Ainda bem que a gestão pública viu a importância de um serviço como esse.
Motoristas fogem do trânsito e do mal-humor
Os elogios não partem apenas dos passageiros do Corujão, mas também dos motoristas e cobradores que fazem parte do projeto. Motivos, segundo eles, não faltam para preferirem trabalhar enquanto muitos dormem.
“É tranquilo, não pego trânsito algum. No trajeto que faço do Parque Dom Pedro até Santo Amaro, por exemplo, gasto 30 minutos. Se fosse de dia, faria em uma hora”, disse o condutor Lucivaldo Pereira, de 30 anos.
Para o cobrador Neto Oliveira, de 27 anos, os passageiros são até mais simpáticos. “O trabalhador só quer chegar em casa, e por isso está sempre de bom humor, sem estresse”, disse.
Além disso, os funcionários do Corujão têm uma carga horária diferenciada, o que deixa a escolha ainda mais atrativa.
“Trabalhar por seis horas (durante o dia são oito) foi o grande motivo para eu ter escolhido a madrugada. Claro que não passo dor de cabeça com o trânsito também, mas o horário é perfeito para mim”, respondeu o motorista Paulo Remo, 50.
Apesar da hora, ocorrências de roubos são baixas
O horário certamente é um atrativo para os bandidos, mas os números de ocorrências registradas até o momento nos coletivos da linha noturna são baixos, contrariando a lógica.
Segundo a SPTrans, desde o início do serviço, foram registrados 33 casos de furtos ou roubos dentro dos ônibus que rodam na madrugada e sempre iniciam a linha com a letra N.
“Acredito que estamos sujeitos ao perigo em qualquer horário. Se entra alguém pedindo dinheiro ou bêbado, tento conversar”, contou o motorista José Tavares, de 59 anos.
O cobrador Neto Oliveira, 27, que trabalha na linha Terminal Parque Dom Pedro 2/Terminal Santo Amaro, já foi vítima dos assaltantes que se aproveitam do escuro e do vazio da noite para agir. “A gente não espera acontecer com a gente, mas infelizmente aconteceu e levaram meu celular”, disse.
“Os passageiros costumam ser tranquilos”, respondeu o cobrador Alexandre dos Santos, 39, ao falar se tinha medo dos usuários que entram no coletivo durante o trajeto.
ILUMINAÇÃO/ Promessa do prefeito Fernando Haddad (PT), a melhora na iluminação pública, principalmente no trajeto dos Corujões, ainda não é sentida pelos usuários. Há reclamações, inclusive, nos corredores de ônibus, onde pontos estão com luzes apagadas. Na periferia também foi possível verificar paradas no mais absoluto breu. Sobre isso, a SPTrans informou que 3.080 abrigos contam com iluminação, no entanto, cerca de 250 passam por manutenção semanalmente, devido a fatores como furto de cabos e vandalismo. A empresa não disse quantos pontos foram iluminados ou quantos receberam melhorias desde fevereiro de 2015.
(Fonte: Diário de SP)